O amante de Durazno

Por Dirceo Stona

Publicado em Coletânea Literária 
Retalhos & Devaneios – Volume 1 

Eu me chamo Dagmar. Dagmar Souto Valadares. Loira, de corpo atlético, quero contar minha história. Caso alguém queira publicá-la, fique bem à vontade. Não me importo. Todos os nomes e cenários que relato foram verdadeiros. Já de início, me desculpo se meus relacionamentos se parecerem com os de vocês. Somos mulheres e. como mulher, digo que gostaria de ser feliz. Vou ser feliz.

Eram três horas da manhã. Não conseguia mais dormir. Ao meu lado, tinha o corpo de um homem. Sim, assim mesmo: corpo de homem. Não o do homem como eu queria que fosse. Aquele corpo inerte dormia. Eu não sonhava o que ele estava sonhando. Cheia de tédio, seguia os meus dias. Nada mais me motivava. Ele era musculoso, mesmo assim, não me atraía e, naquele dia, mais se parecia com o Torso de Belvedere ou uma obra qualquer de Fídias do que com o Apolo, um dos deuses gregos, como sempre foi.

Enquanto me retorcia na cama, em minha cabeça vinham lembranças de conversas que tive com a amiga Liliane Helmman, carinhosamente chamada de Lili. Foi minha colega no IUU (Instituto Universitário do Uruguai) e, em uma noite, na Praia de Xangri-lá, onde estávamos reunidos entre três casais, o marido dela, depois de tomar muita caipirinha com limão siciliano e cachaça de Santo Antônio da Patrulha, agarrou-me no corredor da casa. Ele me beijou como uma fera sedenta. Roubou meu ar com lábios carnudos atracados à minha boca, que estava adornada com o Batom Love, da MAC, lançamento do verão. Os braços, bronzeados pelo sol de domingo, enlaçaram-me. Fiquei estática. Mesmo que eu quisesse me libertar, não conseguia. O cheiro daquele homem se entranhou em mim, seduzindo-me toda. Queria mais e mais. As pernas amoleceram. Ele viu em meus olhos a mistura de prazer e o instinto involuntário de repulsa, e murmurou: “Desculpa”.

Ali se inaugurou o apetite por uma nova vida. Tentava espantar os pensamentos malucos, frutos das leituras freudianas, que se apossavam de mim naquela derradeira noite, mas não conseguia.

***

Meu homem dormia. Aliás, meu ex-marido ainda estava entregue ao sono profundo, como se eu não existisse. Encostei as coxas quentes de desejo contra as pernas de semideus dele. Não senti nada. Queria esquecer os conselhos da Lili, mas o meu eu dizia que era necessário viver. Precisava esquecer o casamento que já tinha findado. Assim é o destino, tudo um dia acaba. Ele acabou. Todas nós, na cama, ansiamos por calor: o meu corpo também. Sou jovem. Quarenta anos. Mulher gostosa. Pelo menos, era o que ouvia quando passava. Sim, isso levantava a minha moral e autoestima. Queria um homem que me desejasse e me fizesse ser mulher.

Respirava fundo. Sentia os nervos à flor da pele, a mesma superfície que um dia recebeu os beijos e as carícias daquele homem que, hoje, não me faz arder em volúpias como antes. Ainda sou e estou casada, mesmo com todos os dissabores. Carregava em mim a crítica, como se estivesse embrenhada em dilemas. O semideus começou a ceder espaço ao mero mortal: já não tinha todos os atrativos que me encantavam. Viver a intensidade e as efervescências do amor era o que importava. Como eu poderia continuar com um macho, que não exalava mais em suas roupas o cheiro do suor misturado à cerveja, que tanto me fazia ferver? Cheiro esse que eu adorava e associava à fornicação, ao pecado da carne e que me convertia em vagabunda. Naqueles dias que vivi minhas angústias, eu somente via nele um simples corpo que se deitava ao meu lado, sem nada dizer, sem me beijar, sem sussurrar “boa noite, amor”. Deixou de ter os atrativos necessários para sustentar o relacionamento.

No quarto adjacente, ficavam os meus filhos, os nossos filhos, que dormiam sem saber o que estava se passando na cabeça da mãe deles. Sempre ouvi dizer, e é verdade: “filhos sempre serão filhos, os homens nem sempre serão maridos”, como dizia Lili Helmman. Quem poderia me alertar de que o amor que, um dia existiu entre nós, poderia
se transformar em hostilidade? O erotismo que desfilava solto na sunga branca molhada, na praia deserta de Xangri-lá, agora era apenas um fragmento de memória que não representava mais nada.

O sexo, para nós, havia se tornado maquinal, um compromisso automático e sem afeto. Quando acontecia, era com os olhos fechados. Os comprimidos azuis – que eu comprava na farmácia do seu Pedro Mercule e deixava para ele, junto ao espelho do nosso banheiro –, amanheciam no mesmo lugar. Não mais me deitava nua, querendo ser a Catarina, rainha russa promiscua e insaciável, de Valadares, à espera do selvagem lenhador que me punha abaixo. Hoje, fico na cama, sem resistir, sem cooperar e sou invadida, sem nenhum tipo de preliminar. Situação horrorosa. Depois do suplício, dirigia-me à sala de estar. Embaixo da porta, o jornaleiro deixara o matutino em que se lia a manchete: Começa a mil a 53ª Feira do Livro de Porto Alegre com a trupe de autores.

***

Certo dia, eu, em minha obsessão de ser feliz, entrei nestes sites de relacionamentos. Quem nunca os acessou, até mesmo por curiosidade? Encontrei um uruguaio que disse ser jornalista e que estaria nesta Feira de Livro de Porto Alegre, no mês de outubro. Ele, com seu palavreado galanteador, convenceu-me a marcar um encontro na área
reservada para as bancas estrangeiras.

Para que eu o identificasse, estaria com um livro de capa vermelha: “As Palavras e as Coisas”, do francês Michel Foucault. Analisei o fato e cheguei à conclusão de que era o melhor lugar de pôr em prática o meu primeiro adultério consciente e permitido por mim.

Dificilmente, seria identificada com outro homem diferente do meu, em um local com milhares de pessoas, de todas as nacionalidades, acotovelando-se. Além do mais, um uruguaio. Era para lá que eu iria pronta para o crime. Acontecesse o que acontecesse. E aconteceu.

***

Dia 26 de outubro de 2007. Lembro-me como se fosse hoje. Chovia entre as barracas com seus coloridos característicos. Tinham livros de todas as editoras, de todos os autores e países. O patrono passava entre as bancas e o sino, badalando insistentemente, anunciava a abertura do grande evento cultural. Aquela cena me transportou às “Bibliotecas de Babel”, do escritor argentino Jorge Luis Borges. Ele escreveu que não lhe parecia inverossímil que, em alguma prateleira do universo, houvesse um livro total. Para ele, bastava que a narrativa fosse concebida em imaginação para que existisse em alguma parte. Isso devia estar acontecendo naquela praça: o livro que alguém havia pensado estaria em um daqueles quiosques.

Mais de mil pessoas transitavam. Entre elas, precisava encontrar o avatar que atiçou os meus sonhos nas salas virtuais de relacionamentos. Pessoas me olhavam. Eram leitores contumazes? Carregavam sacolas repletas de livros, comprados em liquidação que, de uma maneira ou de outra, pareciam saber que eu estava à procura de alguém para a qual me entregaria às aventuras extraconjugais. Você, minha leitora, perdoa-me. Não me interprete mal, como se não tivesse princípios, mas estou em busca da felicidade, como você estaria nas mesmas circunstâncias que eu. Pois até mesmo, em minha fantasia, os guardas municipais, com seus imaculados uniformes, estrategicamente posicionados, fitavam-me. Os seus olhares pressentiam que um crime de adultério estava por acontecer, assim que encontrasse o homem que estaria com o livro que foi premiado entre os 100 melhores do século XX.

Eu já li a obra. A parte que mais me cativou foi o excerto que enfatizou As Meninas, de Velásquez. Sempre me vi na figura daquela loirinha de olhos azuis, com pose de princesa. O jogo de sombras, os espelhos, o jarro vermelho, que passa despercebido para os diletantes nas apreciações críticas de arte, guarda um significado revelador na encruzilhada de perspectivas óticas, filosóficas e psicológicas que se misturam à pintura. O jarro está nas mãos da criada e representa a materialização do objeto de predicações que alteram a mente e o corpo, conhecido como búcaro¹. Essa obra sempre me intrigou. O rosto pálido do pintor, entre o visível e o invisível, sai da tela como eu
queria sair dos corredores da Feira do Livro e emergir nos braços de Florêncio, de Durazno. Não importava. Seguia meu caminho entre grandes blocos de papéis posicionados em um mosqueado de cores nas prateleiras, tal qual uma grande biblioteca onde as letras se unem às palavras que formam frases e transmitem o pensamento dos escritores
nas múltiplas formas literárias.

Ainda perdida em meus pensamentos, ouvi a voz de tenor: “¿Cómo estás, tu nombre es Dagmar Souto?”. Nem terminei de responder que sim e ele: “Gusto em conocerte. Soy Florêncio”. Conversamos pouco mais de meia hora e já deixei marcado o próximo encontro. Saí daquele entrevero de livreiros, de leitores e curiosos para correr até o meu álibi, a amiga Liliane, para quem eu tinha muito que contar e me orientar de como deveria me portar para que o Senhor Valadares não farejasse a minha transgressão.


¹ Espécie de copo feito com terra vermelha que servia para abrigar água perfumada.
https://es.m.wikipedia.org/wiki/Búcaro Consultado em 28/12/2020.

***

Contei para Lili que Florêncio foi casado e, segundo ele, nunca fora infiel à esposa, Quitéria Feliciana Bennim. Foi ele que descobriu o relacionamento dela com o administrador da fazenda, em Durazno. A verdade veio à tona quando o capataz Saint Martin faleceu.

Outra coisa que me suscitou preocupação foram os recorrentes sonhos do Florêncio com a mãe. Devia ter uns dez ou onze anos quando ela foi embora do Uruguai. Nunca mais a viu. Sabia que era uma mulher alta e majestosa, calada como ele, com uma cabelereira clara, semelhante à de Antonella, uma jovem que conheceu em Nova Hamelin, e que teve um caso.

Do pai, recordava-se com menos clareza: moreno, magro, sempre vestindo roupas escuras e impecáveis. Fiquei um pouco sestrosa com tudo isso. Mas ele era um homem elegante, com o bigode bem aparado, um cheiro que me envolvia e que compensava todos os problemas que poderiam advir de seus conflitos freudianos.

***

Florêncio passou a residir em Porto Alegre. Tinha de continuar sua pesquisa que abrangia diferentes geografias, inclusive as das praias catarinenses, nosso ponto de encontro. Todas as segundas-feiras, mandava para o jornal Diário El Pais, de Montevideo, as crônicas para serem publicadas. Cada vez mais, os editores vinham cobrando dele a entrega dos escritos que versavam sobre as viagens feitas pelo Brasil. Afinal, queriam incrementar o turismo no litoral de paisagens exuberantes, diferente das conhecidas areias de Punta del Leste.

O carro que Florêncio dirigia foi alugado no aeroporto, em um dos guichês reservado às locadoras. O aeroporto era minha rota de fuga. Todas as sextas-feiras, por muitos meses do verão de 2007, Florianópolis foi o palco de amores proibidos.

***

A fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai sempre me atraiu muito. Fomos passar o final de semana à beira da Lagoa dos Patos, em uma dessas cidades. Queríamos fugir do agito e das badalações do Bairro Ipanema, onde passávamos os finais de tarde em união mística com o pôr-do-sol e em completa entrega ao amor.

A sós. O coração batia forte, quase descompassado de tanta lubricidade. Intentava reproduzir todas as posições do Kama Sutra com esse que me dava prazeres aos borbotões durante o crepúsculo, Ele era tudo que havia pedido nos últimos tempos de tédio. Florêncio mencionou que pensava muito em mim. Sou muito diferente da Quitéria Feliciana. Sei captar seus sentimentos, mas a diferença entre as idades o preocupava. Aos seus olhos, os meus dez anos de jovialidade o deixavam apreensivo.

O aconchego nos braços e no peito cabeludo do Florêncio, em que os dedos se embrenhavam em carícias, não durou muito. O celular, junto ao criado-mudo, não parava de tocar. Era o Senhor Valadares que não se conformava com o fato de nossa separação. Telefonava constantemente. O homem de bigode preto, cerrado, ficava, nessas horas, com os olhos fixos em coisa alguma, distante, como que se preparando para emergir de sua interioridade e tomar uma atitude com essa vida de romances que preenchem os dias. Não articulava nenhuma palavra. Consegui ler o pensamento dele que talvez pairasse em Antonella, aquela mulher de Nova Hamelin. Os telefonemas o incomodavam. Falou: “desliga esse telefone ou o atende. Assume tua situação de mulher separada”.

Depois disso, angustiada, ainda no quarto, voltei-me para o espelho recostado à parede. Eu estava pálida, cheia de rugas clandestinas, com aparência emaciada, cabelo desgrenhado. Fitava um rosto, estranho ao meu, virtual, que queria acertar as contas com a realidade.

Esse emaranhado de pensamentos soltos e comprometedores se ligavam aos que falei no início de meu desabafo: eu, como mulher, amante, almejava a felicidade. Não podia deixar de me associar à escritora Isabel Allende, ao fazer referência ao caso de amor que ela manteve com um músico argentino. Assim como a chilena, eu também estava sob o efeito do arrebatamento que Florêncio, o meu flautista que veio de Nova Hamelin, exercia sobre mim. Ele também não foi o único amante com que vivi loucuras.

***

Florêncio já tinha elaborado as mesmas perguntas que todos os homens fazem, quando em estado de deleite, no relaxamento do amor. Curioso, ambicionava saber dos detalhes íntimos, dos companheiros que tive, das vezes em que me relacionei com outros amantes e se, de fato, gostei. Só não adentrava na minha relação com Valadares, porque não o tomava como concorrente ou rival.

Dou fim no senhor Valadares? Procuro uma igreja evangélica? Quem poderia me ajudar a cometer o crime perfeito, como se não fosse crime?

***

Chegamos em nossos destinos: ele, no hotel; eu, em meu apartamento. Larguei a bolsa e fui lavar as mãos. Quando retornei à sala, surpreendi-me: o senhor Valadares estava lá, mexendo em meu celular. Gritei: “O que você está fazendo aqui? Estamos separados. Você não entendeu que não sou mais sua? Onde estão os nossos filhos”. Criei, em
meio ao alvoroço, um pretexto para sair de casa e avisar a possível ligação que meu ex-marido faria a Florêncio. Disse a Valadares que tinha hora marcada no salão de beleza. “Quando eu voltar, não quero vê-lo mais aqui”. Bateu a porta.

Usei um dos poucos orelhões que ainda restavam, na esquina da farmácia do Pedro Mercule, que torcia pela reconciliação da família. Fui discreta. Não deixei transparecer o que transcorria.

***

Como suspeitei, Valadares ligou para Florêncio. Depois soube.

– “Encontrei este número, (00-598) 436 493125, no telefone da minha esposa e o anotei. Havia inúmeras ligações, em diferentes horários. Queria saber o que você quer com ela?”.

Graças a mim, o castelhano, não foi pego de surpresa. Ele adquiriu seu porte de canastrão pelas sucessivas traições da esposa e pelos reiterados envolvimentos com meninas bobonas, que não sabiam nada da vida. A sua astúcia para contornar tais imbróglios era ímpar. Bolou um plano, estrategicamente perfeito, para a situação. Perguntou pelo nome da esposa, fazendo-se de desentendido. Valadares não quis dizer. Florêncio, antevendo a resposta, aplicou a sua técnica de persuasão. Desmanchou o triangulo amoroso em que nos metemos. Evitou que mais uma manchete de feminicídio surgisse nos jornais, como toda a semana.

Florêncio, habilmente, desdobrou Valadares, em seu portunhol atrapalhado: “Ocorre que este telefone é para pessoas que estão vivendo dificuldades em seus relacionamentos conjugais. Sou Coaching Afetivo”. E complementou, com seu timbre imponente: “Realmente, ligou uma senhora casada que disse estar à procura de um novo projeto, de uma nova forma de restaurar o vínculo, porque o marido, que ela tanto ama, não mais demostrava carinho e nem amor por ela”.

***

Voltei para casa. Tive de recorrer a Lili para que fizesse as minhas unhas, pois precisava sustentar o meu jogo com Valadares. Logo que cheguei, testemunhei meu marido, sentado em minha frente, pálido, como o rosto do autor do meu quadro predileto, As meninas. Lágrimas caíam de seu rosto. Com a explicação recebida por Florêncio, mesmo
sem ter entendido muito bem os malabarismos linguísticos, propositadamente criados pelo interlocutor, jogou-se aos meus pés e pediu perdão por estar tendo alucinações referentes à minha vida e à minha honra.

Não aguentei a cena. Comovida, lembrei-me da Lili, que sempre vinha me encorajando e, sutilmente, catequizando-me a se juntar a ela em seu cristianismo emocional. Aos poucos, minhas inclinações se voltaram para a religião. A vida de amante, baseada apenas no clamor do sexo, enfraquecia a busca da essência do ser.

O amor pelos filhos superou a afeição por Florêncio. Decidi me posicionar. Aceitei o conselho, mencionado na cabana, de assumir a minha condição. Telefonei para Florêncio: “Você estragou tudo. Não poderei mais continuar com a nossa relação pecaminosa. Estou agradecida e, ao mesmo tempo, furiosa, porque você consertou tudo, mas eu o perdi como amante”.

Não iria cometer um crime perfeito, como antes havia imaginado. Teria que seguir a outra opção: entrar para a Igreja
Comunidade do Coração Reciclado. Eu, a mulher casada, fogosa, precisava me reabilitar de meus instintos ninfomaníacos. Cheguei, em meio aos arroubos passionais, a sugerir que fechássemos uma pequena empresa que tínhamos, eu e Valadares. Não poderia abandonar o meu esposo, que me confessou: “Mesmo que você tenha um caso e queira mantê-lo, assuma o relacionamento, contanto que isso não chegue aos olhos da sociedade e nem que ocorram profanações em nosso sagrado lar”.

O senhor Valadares me deu a entender que aceitaria reatar o nosso casamento, e isso foi o estopim para que eu me libertasse das obscenidades que me rondavam. Os votos se revigoraram. Passamos a programar tudo de novo, ao som de músicas que remetiam aos bons tempos de convivência. O aroma das flores multicoloridas tomava conta
de nossa casa. Daqui para frente, só seria recebida em tapetes vermelhos. Valadares, aos poucos, começava a ser o Apolo que conheci; e eu, a ninfa e mortal Climene.

Para a primeira noite de reconciliação, pretendia usar a minha camisola branca e curta que contrastava com o bronzeado das praias de Santa Catarina. Agora, não importava que a minha pele tivesse sido tisnada em companhia de Florêncio, até porque quem desfrutaria das dádivas de meu corpo seria o meu próprio marido. Meu lenhador voltou.

***

Florêncio Sánches planejava regressar ao Uruguai, Eu sei que nunca se deve jogar fora um caso de amor: um dia, poderia querer uma reprise. O jornalista me detalhou todo o seu projeto de pesquisa entre um copo e outro de champanhe. Recomendei a continuidade do ofício que realizava. Não deixei o meu egoísmo se sobrepor às qualidades profissionais daquele homem. Quem sabe, um dia, pudesse voltar para outras aventuras amorosas, desde que me incluísse nelas.

“Florêncio, você me aceitaria como amante?”.

Não me respondeu.

Escutei que ele ligou o carro e partiu.


Publicado na Coletânea Literária Retalhos & Devaneios – Vol I

Dirceo Stona
Bacharel em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em 1991. Bacharel em Filosofia na Faculdade de Filosofia do Instituto Meridional (iMED) Campus de Porto Alegre, em 2019. Aluno de Pós-Graduação em Ciência Humanas na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Integrante da Oficina de Produção Psicanalítica e Literária do professor Paulo Fernando Monteiro Ferraz.

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